
Naquele dia em questão, eu tinha acordado um pouco mais cedo do que costumava. Já tinha feito a tarefa, e me trocado; Estava dando uma última ajeitada no cabelo quando ouvi três toques seqüenciais na porta:
- Entra, Joanna. – Disse eu ainda de frente para o espelho, com os olhos na porta que não se abriu.

Mais uma seqüencia de três toques foram dados, tornei a pedir para que Joanna entrasse, mais uma vez sem sucesso.

Caminhei apreensiva até a porta e indaguei:
- Quem está ai?! – Não houve resposta. Irritada girei a maçaneta, e um vulto passou por mim, batendo a porta que deixara para trás. Fiquei parada olhando para um único ponto por uns cinco segundos, até conseguir me movimentar, e quando me virei tive uma grande surpresa.

- Urik!!! O que faz aqui?
- Elladora, vim em nome de Aaron, Chad e Nicko – Disse Curtis esbaforido, o rosto dele não estava tão severo como costumava ser, ainda assim não impediu que ele revirasse os olhos ao prosseguir - Eles disseram que só me deixam entrar em casa se eu levar você.

- Eles fizeram isso? – Meus olhos se encheram de lágrimas, e simulei um sorriso que não saiu, por falta de costume.
- Sim, eles... fizeram... na verdade eu tinha que fazer todo um discurso, mas você pode me poupar dessa parte? Pedir desculpas e blábláblá? – Disse ele abanando as mãos.

- Tudo bem, sem desculpas. – Curtis nem esperou que eu terminasse de falar; caminhou até o outro lado do meu quarto, e se jogou na cadeira da escrivaninha relaxando os músculos no mesmo instante.

Aproveitei a sua serenidade para me aproximar, puxei a baqueta até estar próxima a ele, e após me acomodar o encarei por algum tempo, ele me encarou de volta. Pela primeira vez não vi ódio nos seus olhos.

Então, antes que o mau-humor dele voltasse decidi me explicar:
- Me desculpe, pelo meu atraso naquele dia, eu... nem sei o que dizer, não quis de forma alguma causar problemas, se eu soubesse que o Janson...
Ele fechou os olhos e girou o pescoço fazendo os ossos estralarem, percebi que era o momento de me calar, e dar espaço para as suas palavras:
- Já passou – disse calmamente – eu não sou muito de falar, Elladora; não gosto de ter que bancar o cara chato, entende? Mas, veja o meu lado... Chad, Aaron, Nicko e você estão no Nightmares por diversão, ou pra ganhar algum trocado, sei lá... eu até compreendo.

- Entretanto, pra mim a banda é importante, é onde aplico tudo o que aprendo, eu preciso disso, assim como você... – ele passou os olhos por todo o quarto, e logo que viu o l'absinthe no meu cavalete, deu continuidade ao discurso - assim como você precisa das suas telas, como Nicko precisa dos livros dele, e como Aaron e Chad precisam do palco.
- Eu sei... - Disse abaixando a cabeça.

- Sei que nenhum motivo justifica o que aconteceu lá em casa, não tinha o direito de tratar você daquele jeito. Só que, meu dia não tinha sido legal, e poderia ter sido o Nicko ou o Chad... qualquer um, mas foi você quem pisou na bola, acabei descontando.

Ele tragou um pouco de ar e prosseguiu:
- Bom, você vai lá pra casa? Os garotos estão te esperando.
Desviei o rosto quando senti a adrenalina me bater em forma de bolo no estômago ao me recordar das grosserias que fui obrigada a ouvir; Tive dúvidas se deveria aceitar seu convite sem que ele implorasse por alguns anos. Porém, se Urik Curtis tinha sido capaz de levantar a sua bandeirinha da paz, eu deveria fazer o mesmo, pelos garotos.

- Tá certo, Urik, eu já entendi. - Curtis suspirou aliviado por não ter que levar sua palestra até o fim, e prosseguiu animado:
- Chad disse que vai fazer um chá com biscoitos pra você às cinco – Ele sorriu pela primeira vez sem deboche, foi uma risada engraçada - Aaron disse que comprou chocolate quente, e Nicko disse que sente falta da sua risada no estúdio.

- Eu tenho aula daqui meia hora, Curtis. – Disse eu ao me levantar - Mas, pode avisar que assim que eu sair da aula vou direto pra lá.
- Eles não vão me deixar entrar, sem você. – Murmurou ele melancólico, e como quem faz uma súplica emendou um pedido - Posso ficar aqui por enquanto? Preciso dormir um pouco, estou fora de casa desde ontem... Dai, antes de ir pra lá você me acorda, não sei...

- Ah! Claro, tudo bem... sem problemas... – Concordei sem saber se saia do quarto ou se pegava os livros, não estava acostumada com o Urik falando daquela maneira comigo, a situação me deixou um pouco desconcertada.

Antes de ir para a aula, voltei a olhar para o quarto, ele já estava deitado na cama de olhos fechados, então expliquei meio baixo:
- Eu vou bater a porta aqui, ok? Tem uma chave comigo, e dentro da gaveta da cômoda tem uma cópia; Se você precisar sair leve com você, depois eu pego de volta.
- Uhum – Foi o que ele respondeu, e em seguida suspirou profundamente provavelmente dormindo.